12 de fev. de 2013

Delsarte, Laban, Dalcroze


François Delsarte


Tendo como objeto de estudo o corpo europeu do século XIX (um corpo imerso no contexto da economia industrial e, por isso, bastante inexpressivo e mecanicamente treinado), Delsarte desenvolveu pesquisa rigorosa sobre expressão corporal, buscando entender como se exprimem os sentimento humanos e como a gestualidade corporal se organiza e se relaciona com as emoções.
Para tal, dirigiu sua atenção para o movimento cotidiano das pessoas em praças, hospitais, na rua; observou a expressividade do corpo na arte (em atuação no teatro, expresso em pinturas e esculturas), também estudando e participando de aulas de anatomia.
A partir dessas observações, realizou inúmeras anotações e desenhos e estabeleceu um conjunto de preceitos, ensinados entre 1839 a 1859, em Paris, no “Curso de Estética Aplicada”, do qual participaram pintores, escritores, compositores, advogados, padres, atores e cantores, oradores.

Para Delsarte, o ser humano é constituído por uma tríplice dimensão: VIDA-ALMA-ESPÍRITO.
Cada dimensão estaria relacionada a um dos três estados interiores:
ESTADO SENSÍVEL (âmbito das sensações);
ESTADO MORAL (âmbito dos sentimentos); e
ESTADO INTELECTUAL (âmbito do pensamento),
sendo que cada um desses estados correspondem a uma das três modalidades
expressivas exteriores (VOZ – GESTO – PALAVRA).

O modo como a expressividade da voz, do gesto e da palavra podem acontecer, para Delsarte, também respeita uma tríplice possibilidade:
EXCÊNTRICA – voltada para fora e mais ligada à porção da VIDA; NORMAL – equilibrada e mais ligada à porção da ALMA; e CONCÊNTRICA – voltada para dentro e mais ligada à porção do
ESPÍRITO.

Exemplifica a aplicação desta tríade, proposta por Delsarte, no movimento das mãos:
Existe um centro nas coisas, nos gestos, nos movimentos, e duas forças que se deslocam
para fora (do centro) ou para dentro.
As mãos, por exemplo, relaxadas em estado de normalidade, representam a qualidade gestual NORMAL. Mãos abertas, estendidas, indicam uma gestualidade EXCÊNTRICA.
Por fim, se as mãos estiverem fechadas, contraídas, serão enquadradas como uma gestualidade CONCÊNTRICA.

Num período onde a dicotomia corpo/alma constituía o entendimento epistemológico predominante, é a unidade corpo/alma que Delsarte parece querer recuperar, uma percepção do ser humano em sua totalidade. E seguindo a ideia de totalidade, o segundo princípio parte do reconhecimento de que as três dimensões do homem – a vida, a alma e o espírito, já mencionadas acima – formam uma unidade. Para Delsarte, tais princípios atuam de forma relacional.

Outras conclusões delsartianas, relativas à expressividade dos movimentos, destacam algumas posições gestuais específicas. Os movimentos em oposição, aqueles nos quais duas partes do corpo se movem ao mesmo tempo, mas em sentidos opostos, dá a um movimento sua expressividade máxima.
Se, para afirmar ou convencer levamos nosso braço e nossa mão à frente, o gesto é fraco, mas se, ao mesmo tempo, fizermos com o rosto um movimento para trás e recuarmos um ombro ou mesmo a cabeça, o gesto alcança toda sua intensidade, seu realce, sua autoridade.
O paralelismo, quando duas partes do corpo se movem ao mesmo tempo e na mesma direção, é mais uma importante organização expressiva do movimento e indicaria um sentido de fraqueza: “São os movimentos simétricos como aqueles de súplica e de oferenda.” Além dessas posições, os estudos delsartianos também destacam a noção de sucessão: a ocorrência dos movimentos envolve o corpo todo e acontece em cada músculo, cada osso, cada articulação.
Sucessão seria “a grande ordem de movimento para a expressão da emoção”. Ele diz que a sucessão fundamental é a que, partindo do tronco, põe em movimento o ombro, depois o braço, o cotovelo, o antebraço, o pulso, a mão e os dedos, sendo que o impulso central mobiliza o corpo inteiro por ondas sucessivas, rigorosamente dirigidas e controladas.
Mas as sucessões também podem ocorrer da periferia para o centro do corpo.
"O gesto é mais que o discurso. Não é o que dizemos que convence, mas a maneira de dizer. O gesto é o agente do coração, o agente persuasivo. Cem páginas, talvez, não possam dizer o que um só gesto pode exprimir, porque num simples movimento, nosso ser total vem à tona, enquanto que a linguagem é analítica e sucessiva".
Geneviéve Stebbins (1857-1915), professora de Dança e educadora feminina, integrou o delsartismo à sua prática, sistematizando e publicando estudos que demonstram essa ligação. Mas seu nome merece ser destacado, uma vez que influenciou Isadora Duncan (1877-1927), Ruth Saint Denis (1879-1968) e Loi Füller (1862-1928), as três principais figuras da Nova Dança do início do século XX que fomentaram  discussões acerca dos princípios técnico-expressivos do corpo.

De acordo com Bourcier (2001) e Ropa, Isadora Duncan foi aluna de Stebbins e, apesar de estar pouco voltada às aulas e métodos de dança, mostrou-se totalmente envolvida pelos princípios delsartianos através de sua fé profunda na unidade corpo-alma e na relação entre expressividade e sentimento. Suas movimentações, de natureza bastante improvisacionais, partiam das qualidades oriundas da relação sentimento-expressão e privilegiavam formas corporais em oposição (a exemplo do movimento de jogar a cabeça para trás) combinados com a estética artístico-sensual da estatuária grega e dos elementos da natureza.
Sobre Ruth Saint Denis, as mesmas referências informam que foi educada por um treinamento físico-espiritual fundamentado no método de Delsarte, desenvolvido por sua própria mãe, Emma, que seguia obstinadamente o pensamento delsartiano interpretado a partir do modelo de Stebbins.
Seguindo a visão filosófica delsartiana, Ruth verá no corpo um meio para exaltar o espírito e introduzirá esta forma de treinamento gestual na proposta pedagógica da Danishawnschool, escola de dança fundada por volta de 1915, com Ted Shawn (1891-1972), seu marido e outra importantíssima figura dentro da história da Dança Moderna americana.
As temporadas e viagens à Europa feitas por Duncan, Füller e Saint-Denis permitiram o intercâmbio de suas propostas artísticas com o contexto europeu de Dança naquele período, ainda bastante ligado à prática e à estética do academicismo clássico. Mas, paralelamente, os estudos de Delsarte já começavam a dialogar com o referencial do Expressionismo e, mais especificamente, da dança expressionista alemã, inaugurada por Rudolf  von Laban (1879-1958)*.
Laban estudou com alunos de Delsarte e, como ele, debruçou-se de forma minuciosa sobre seu objeto de estudo: o movimento, suas qualidades e dinâmicas.

MADUREIRA, José Rafael. François Delsarte: personagem de uma dança (re) descoberta. 183 f. 2002.) 

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